Tuesday, October 14, 2008

"Uma reflexão mais que pertinente"

"Não tenho filhos e tremo só de pensar. Os exemplos que vejo em volta não aconselham temeridades. Hordas de amigos constituem as respectivas proles e, apesar da benesse, não levam vidas descansadas. Pelo contrário: estão invariavelmente mergulhados numa angústia e numa ansiedade de contornos particularmente patológicos. Percebo porquê. Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar. Hoje, não. A criança nasce, não numa família mas numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe: jardim-escola aos três, natação aos quatro, lições de piano aos cinco, escola aos seis, e um exército de professores, explicadores, educadores e psicólogos, como se a criança fosse um potro de competição.Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente nas sociedades modernas: a vida não é para ser vivida - mas construída com sucessos pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão geométrica para o infinito. É preciso o emprego de sonho, a casa de sonho, o maridinho de sonho, os amigos de sonho, as férias de sonho, os restaurantes de sonho. Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais temos, mais queremos. Quanto mais queremos, mais desesperamos. A meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o mais leve traço de humanidade. O que não deixa de ser uma lástima.Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam que o fim último da vida não é a excelência, mas sim a felicidade!"
João Pereira Coutinho

3 comments:

Different said...

concordo plenamente. vejo isso todos os dias. e quando não conseguimos ter mérito, ansiamos loucamente que os nossos filhos o tenham, que sejam os melhores, os mais inteligentes, os mais rápidos, os mais bem vestidos.

ainda há dias encontro um amigo de infância, na altura cheio de vida e utopias, que entrou para medicina e acabou por escolher a especialidade que lhe iria dar mais dinheiro no futuro... fiquei sem palavras ... cada vez que me marcam uma consulta para um especialista só me apetece perguntar: "o que o motivou?" "gosta do que faz?"

astolfo said...

É o actual problema da nossa sociedade, da nossa mentalidade, uma teia de anseios desmedidos que no fundo nos impede de alcançar o verdadeiro conceito de felicidade...

JPC, para variar, é sublime.

***

Anonymous said...

É a "standardização" da sociedade, dos valores, dos objectivos a atingir. Falta inovação, criatividade, capacidade de trilharmos um caminho próprio sem a necessidade de nos guiarmos pelos que outros fazem ou pensam, só porque está na moda ou porque supostamente é o melhor.

Beijinhos,

Rui